Que o SARS-CoV-2 é um vírus novo para todos, inclusive para a classe médica, nós sabemos, porém, o que ainda é um grande desafio são os tratamentos para os acometidos pela doença, em especial os pacientes hospitalizados em estado grave.

Durante o 1º Congresso Virtual da SBPC/ML, o Dr. Nairo M. Sumita, presidente regional São Paulo – Capital da SBPC/ML e diretor para América Latina da World Association of Societies of Pathology and Laboratory Medicine (WASPaLM) falou sobre o exame de gasometria no diagnóstico e monitoramento das doenças respiratórias e o seu papel no paciente acometido pelo novo Coronavírus.

Desde os primeiros relatos da COVID-19 na China em 2019 evidenciou-se que a insuficiência respiratória é a manifestação clínica mais grave de COVID-19 em razão de uma alta incidência de casos de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Do ponto de vista clínico o paciente com SDRA evolui para uma queda importante da oxigenação sanguínea denominado de hipoxemia resultando na queda do suprimento de oxigênio às células do organismo.

O desenvolvimento da SDRA deve-se a um processo inflamatório agudo e difuso nos pulmões com consequente edema à nível do alvéolo pulmonar resultando em hipoxemia profunda. Neste contexto, o pulmão perde a capacidade de oxigenar adequadamente o sangue que retorna ao pulmão, bem como a eliminar o dióxido de carbono (CO2) para fora do organismo.

O que ocorre é uma perda da relação entre a ventilação dos alvéolos com oxigênio versus o volume de sangue que necessita ser oxigenado, também conhecido como perfusão. Por exemplo, em um quadro de pneumonia, o alvéolo acometido pelo processo inflamatório fica obstruído e não recebe oxigênio. Assim, o sangue que vai passar por esse alvéolo não é oxigenado.

Do outro lado, os alvéolos pulmonares que ainda se encontram pérvios recebem oxigênio e conseguem transferir o oxigênio para o sangue. Os vasos por onde circulam o sangue rico em oxigênio se juntam com os vasos com sangue não oxigenado. A mistura resulta na queda geral do nível de sangue oxigenado resultando na hipoxemia. No exame de gasometria observa-se a queda da pressão parcial de oxigênio (PO2) e grau de saturação das hemácias com oxigênio (SO2).

Quando o processo inflamatório à nível pulmonar resulta numa queda significativa do PO2 e do SO2, faz-se necessária a intubação do paciente e a utilização de um ventilador mecânico.

A Organização Mundial de Saúde definiu o termo “manifestação respiratória aguda” da COVID-19 na seguinte situação: paciente adolescente ou adulto com febre ou suspeita de infecção, tosse, frequência respiratória > 30 incursões por minuto (ipm), dificuldade respiratória grave, saturação de oxigênio (SO2) < 90% em ar ambiente.

De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, no manejo clínico dos casos graves da síndrome respiratória por SARS-COV-2, sugere como terapia e monitoramento precoces a administração de oxigenoterapia suplementar a pacientes com dificuldade respiratória, hipoxemia ou choque com alvo em SO2 de 92-96%.

A SDRA é classificada em três níveis: leve, moderada e grave, conforme a relação PO2/FiO2 explica o Dr. Nairo. A fração de O2 no ar inspirado (FiO2) diz respeito à percentagem de oxigênio no ar inspirado pelo paciente. Trata-se de um parâmetro que pode ser controlado na ventilação mecânica para otimizar a oxigenação tecidual.

Classificação da SDRA

Leve

200 < PO2/FiO2 ≤ 300

Moderada

100 < PO2/FiO2 ≤ 200

Grave

PO2/FiO2 ≤ 100

Referência: The ARDS Definition Task Force. Acute respiratory distress syndrome: The Berlin Definition. JAMA 2012; 307(23):2526-33

A pandemia da COVID-19 trouxe uma série de mudanças e, atreladas a isso, reflexões aos médicos veteranos e àqueles que estão ingressando em suas atividades agora. Aprendizado é a palavra que melhor define esse momento para o segmento da saúde.

Foi sobre isso que o Dr. Leonardo de Souza Vasconcellos, diretor de Ensino da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e coordenador da grade científica do 1º Congresso Virtual da SBPC/ML, falou em sua palestra “Vivendo e aprendendo com a pandemia do novo Coronavírus’ proferida no evento.

Como membro da entidade, ele teve oportunidade de participar de reuniões da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), as quais promoveram discussões relevantes acerca das consequências da pandemia na residência médica.

“Atualmente, o Brasil possui 40.000 residentes, que representam 15% do total de médicos do país. A pandemia do novo coronavírus desconfigurou as atividades e projetos pedagógicos dos programas de residência médica de todas as áreas, com impactos importantes nas especialidades clínicas e cirúrgicas. Assim, todos os programas de residência médica tiveram que se adequar à nova situação. A CNRM recebeu uma série de denúncias de queda da qualidade desses programas, falhas na biossegurança e escassez de insumos de proteção individual, pois os médicos residentes foram escalados para auxiliar no atendimento aos infectados pela COVID-19. Uma situação completamente diferente do habitual”, explicou Leonardo.

Ainda segundo o Dr. Leonardo, o período também trouxe pontos positivos para a residência médica em Patologia Clínica/Medicina Laboratorial

“A pandemia deixou bem clara a importância dos exames laboratoriais e da nossa especialidade durante a crise. Nossos residentes tiveram a oportunidade de vivenciar a evolução dos exames laboratoriais para o diagnóstico da COVID. Também houve um grande aprendizado na validação de métodos laboratoriais e foram abertas muitas discussões sobre biossegurança, indicação e interpretação de exames” afirmou o médico.

Outro ponto positivo segundo o médico foi a possibilidade de expansão em aprendizagem para os médicos residentes.

“Os residentes tiveram a possibilidade ver aspectos da gestão, como precificação de exames e legislação trabalhista, maior facilidade de acesso a artigos científicos, exercer treinamento em atividades de consultorias, além de participar e promover palestras e eventos sobre o tema na web”, finalizou Leonardo.

Dúvidas e incertezas permeiam o mundo diante da pandemia do novo Coronavírus e durante esse tempo, diversos pontos foram positivos e negativos na condução do diagnóstico e tratamento da doença. Esse foi o ponto apresentado pelo Dr. Carlos Eduardo dos Santos Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), na palestra “Erros e acertos na condução da pandemia pelo mundo: por que houve diferentes desfechos?”, feita no 1º Congresso Virtual da SBPC/ML.

“Do ponto de vista laboratorial, ainda hoje existem poucas evidências científicas robustas sobre o SARS-CoV-2. São diversas publicações de diferentes qualidades e diferentes estruturações científicas, ou seja, essa pandemia trouxe muitos aprendizados, por isso existem diferentes erros e acertos, tanto do ponto de vista de do laboratório quanto da avaliação clínica”, afirmou Carlos Eduardo.

A parte de testagem do PCR, que é o padrão ouro para o diagnóstico, também teve seus problemas. Desde a estruturação do protocolo com o prime específico (Hospital de Berlim), problemas de falta de insumos, capacidade produtiva e problemas de coleta gerando resultados falso negativos.

Um dos pontos altos da apresentação foi o destaque para os acertos do trabalho que a entidade desenvolveu e ainda realiza nessa situação desafiadora, visto que seu trabalho é um dos essenciais: a testagem.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma grande quantidade de testes para o mercado nacional, dada a urgência no diagnóstico e, em razão disso, a SBPC/ML, em parceria com outras entidades do setor, laboratórios de patologia clínica públicos e privada para validar os diferentes dos, hospitais-escolas e instituições internacionais, teve a iniciativa de avaliar diferentes testes que estão no mercado, a fim de apontar os que realmente são eficazes ou não. Mais informações sobre podem ser acessadas pelo site https://testecovid19.org/.

Outro trabalho da entidade foi alertar a mídia aberta quanto aos perigos das compras dos testes rápidos pela internet, devido a interpretação inadequada por pessoas leigas no diagnóstico.

“Contribuímos, no início da pandemia, com a solicitação da testagem em pacientes sintomáticos, para que não faltasse aos que estavam hospitalizados. Estivemos presentes em uma guerra comercial para o diagnóstico e coleta e, a partir daí, todos os materiais passaram a ser regularizados e estar presentes Brasil afora. Outra conquista importante da SBPC/ML foi vencer a batalha pela realização do teste pelos planos de saúde suplementar no momento da triagem do paciente”, concluiu o presidente.

Durante o 1º Congresso Virtual da SBPC/ML, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Dr. Gustavo Campana, falou sobre o tema “COVID-19 e a crise na saúde do Brasil: visão das entidades médicas”, chamando a atenção para os números de casos no nosso País e no mundo, fazendo um alerta preocupante sobre a importância da realização de outros exames necessários para outras patologias. Além disso, destacou o fato de se fazerem a aplicação de outras vacinas a diversos vírus que estão circulando paralelamente ao SARS-CoV-2.

O Dr. Gustavo disse que a medicina laboratorial sofreu diversos impactos diretos, pois as áreas técnicas de pesquisa e desenvolvimento tiveram alta relevância em conseguir ofertar os exames necessários.

“Desde dezembro e janeiro, com os casos conhecidos na China, houve uma correria para entender e conhecer a genômica do vírus e isso possibilitou que tivéssemos um desenvolvimento rápido de testes moleculares para o diagnóstico e isso é um orgulho para nós visto que, em fevereiro, já tínhamos RT-PCR disponível no Brasil”, afirmou Gustavo.

Outro ponto importante foram as pesquisas de testes desenvolvidas pelo setor com diferentes metodologias, como o RT-PCR, o sequenciamento de primeira geração, Sanger, Crispr, entre outros. Também houve uma competição global por insumos e equipamentos e hoje isso melhorou muito. Houve um crescimento rápido da demanda e fases diferentes da evolução epidemiológica, com momentos de bloqueios, de diagnósticos, priorização de pacientes graves e assim por diante. Um ponto interessante a se destacar foi o interesse da população e da mídia pelos exames laboratoriais como nunca houve antes.

De acordo com o especialista, a SBPC/ML, em parceria com outras entidades do setor, laboratórios de patologia clínica públicos e privada para validar os diferentes dos, hospitais-escolas e instituições internacionais, teve a iniciativa de avaliar diferentes testes que estão no mercado, a fim de apontar os que realmente são eficazes ou não. Mais informações sobre podem ser acessadas pelo site https://testecovid19.org/.

Os impactos indiretos também são pontos de atenção, entre eles a queda relevante no volume de laboratórios, ou seja, vários foram fechados e o desafio foi fazer a gestão dessa demanda. O redirecionamento dos canais de coleta, principalmente das feitas em domicílio, com grande volume, foi extremamente significativo.

A instalação de unidades dedicadas à realização de exames específicos de COVID-19 foi muito importante, pois focou em garantir a segurança das pessoas e evitar que os pacientes com suspeita e os crônicos ficassem juntos e pudessem ter mais segurança em fazer seus exames no laboratório. Além disso, a realização de exames de radiologia na casa dos pacientes e a telemedicina fortalece a ideia de que são serviços que vieram para ficar nesse novo normal.

Entretanto, um ponto importante a destacar são os grandes gaps no cuidado dos diferentes tipos de doenças. Os atendimentos dos laboratórios aos pacientes com outras doenças tiveram queda e isso preocupa pelo fato de haver picos ou suros epidemiológicos de outras enfermidades. Entre as baixas estão a cobertura vacinal.

“É importante o setor se ater a isso e focar em como pode auxiliar na saúde da população por reduzir esses gaps, uma vez que são significativos em desfechos clínicos em curto prazo” afirmou Gustavo.

Ainda de acordo com o especialista, é possível ter mais pacientes com problemas cardiovasculares agudas, com descompensação e com piora de desfecho nos Pronto Socorros.

“É preciso planejar e executar alguma forma de direcionar esses pacientes portadores de doenças crônicas. A SBPC/ML, inclusive, está desencolhendo uma pesquisa para entender isso e, em breve, publicará o resultado”, concluiu o médico.

A SBPC/ML trouxe um dos maiores especialistas na área de qualidade de métodos e testes laboratoriais para fechar o primeiro dia do 1º Congresso Virtual da SBPC/ML. Com o tema “Como combater a COVID-19 com métodos de qualidade”, o professor Sten Westgard pode dividir com os congressistas sua experiência em qualidade e em testagens laboratoriais.

O Westgard QC, situado nos Estados Unidos, é um dos mais renomados institutos nas áreas de ciência de laboratório clínico, gerenciamento de qualidade e engenharia de software e incentiva a capacitação dos laboratórios em ferramentas que atestem a qualidade de seus exames. Para o incentivo das melhores práticas em laboratórios, o Instituto tem organizado e definido as “Regras de Westgard” (www.westgard.com).

“Todos os dias muitos testes são colocados no mercado com a intenção de ajudar no combate ao COVID-19. Apenas nos últimos seis meses, desde a chegada da pandemia, contabilizamos cerca de 811 testes para detecção do novo Coronavírus. E isso é um número absurdo. Porém nem todos são realmente confiáveis”, explicou o Prof. Westgard.

Durante a palestra Dr. Westgard, falou sobre as diferenças entre os principais tipos de testagem, RT-PCR (padrão ouro), testes rápidos, sorológicos de IgM e IgG e antígenos, testes ortogonais e quando e de que forma devem ser utilizados.  O professor explicou que início da infecção por SARS-CoV-2, nos primeiros dias, a quantidade de vírus no organismo é tão baixa que nenhum teste consegue identificar a infecção. Após alguns dias, a quantidade de vírus aumenta e, assim, é possível detectá-lo pelo teste molecular RT-PCR (Padrão Ouro).

A realização destes exames e a precisão do resultado exige instalações e técnicas laboratoriais específicas de excelência e é capaz de detectar diretamente a presença de componentes específicos do genoma do vírus.

“É importante que os laboratórios de análises tenham um rigoroso procedimento de controle de qualidade e, muitos laboratórios já estão utilizando as várias ferramentas para controle de qualidade”, explicou Sten.

O professor finalizou sua palestra declarando que, com sua experiência, pode dizer que não há método perfeito para detecção da COVID-19.

“Pode haver métodos perfeitos em um futuro próximo, mas não temos tempo agora para esperar por eles. Temos que trabalhar com combinações dos melhores métodos que temos até o momento para alcançar bons resultados na detecção rápida do SARS-CoV-2”, afirmou o doutor.