Mesa redonda traz três pontos de vista para abordar problemas crônicos na glândula

Na manhã do segundo dia do 53º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica Medicina Laboratorial, uma mesa redonda discutiu as alterações nas funções da tireoide, incentivada pela pesquisa da SBPC/ML que revelou que 74% dos pacientes com problemas crônicos na glândula controlam a doença por meio de exames laboratoriais.

O Dr. Marcelo Cidade Batista, endocrinologista clínico membro da SBPC/ML, supervisor do Laboratório de Hormônios do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, compôs o debate ao lado  da pesquisadora associada ao Laboratório de Endocrinologia Molecular e Translacional (LEMT) da disciplina Endocrinologia do Departamento de Medicina da Unifesp, Maria Izabel Chiamolera, e William Pedrosa de Lima, assessor científico na área de Endocrinologia do Instituto Hermes Pardini. 

Maria Izabel Chiamolera fez um panorama sobre o diagnóstico clínico de disfunções na tireoide. Ela começou explicando sobre alterações hormonais, mostrando como o diagnóstico pode ser difícil por conta do ponto de equilíbrio individual. Começando pelo hipotireoidismo, Chiamolera trouxe dados, citando que é uma condição relativamente comum, que prevalece em torno de 2% em mulheres e 0,2% em homens. Segundo ela o hipotireoidismo primário, ocorre em 95% do total de casos, enquanto o central acomete apenas 0,005% da população geral. Já o hipotireoidismo congênito responde por 1 em cada 4.000 a 5.000 recém-nascidos.

Ela também abordou o hipertireoidismo. Entre as causas dependentes da produção aumentada do hormônio, 80% provem da Moléstia de Basedow-Graves. Há também causas independentes da produção aumentada, como a tireoidite de Hashimoto, a subaguda, a tirotoxicose factícia, a tirotoxicose por Hamburger e o teratoma ovariano.

William Pedrosa de Lima falou em seguida sobre os métodos e interferentes da glândula, começando pelo primeiro teste – do TSH (hormônio estimulante da tireoide). Na avaliação clínica, são levados em conta, segundo ele: imunização recente, transfusão, doença autoimune, terapia monocional e contato com animais. Ao longo da apresentação, ele discorreu também sobre os meios de detecção das interferências.

Por fim, Marcelo Cidade Batista mostrou como interpretar os resultados dos exames laboratoriais relativos à tireoide. Ele iniciou a fala listando testes para pesquisar hiper e hipotireoidismo, testes para pesquisar doença tireoidiana e autoimune, e testes para pesquisar câncer de tireoide. Em sua exibição, Batista prolongou-se também na interpretação do TSH + T4 livre e suas variações, relacionadas ao hiper, hipo e eutireoidismo. Além disso, Batista alertou para as alterações hormonais da gestação. Através de um fluxograma, resumiu como os níveis de TSH encaminham aos diagnósticos.

Na abertura ao público, uma congressista questionou qual o melhor horário para a coleta. Chiamolera respondeu que há preferência pelo período da manhã e recomendou repetir o teste se houver muita variação nos níveis hormonais. A pergunta seguinte foi sobre orientações para os níveis de HCG nos testes laboratoriais e Pedrosa de Lima destacou que o perfil clínico do HCG mudou muito nas últimas décadas. Batista contribuiu reforçando a importância de seguir as recomendações do laboratório que fornece o material.

“O Laboratório Clínico no diagnóstico das Doenças Raras” foi o tema da mesa redonda apresentada no segundo dia de atividades do 53º CBPC/ML. O Ministério da Saúde considera como Doença Rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Em 2016, foram habilitados sete estabelecimentos de saúde como serviços de referência em Doenças Raras pelo Ministério da Saúde. Atualmente, este número chega a oito.  

Durante o evento, Márcia Gonçalves Ribeiro, professora associada de genética clínica do departamento de pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ, falou sobre o “Diagnóstico Pré-Concepcional”.

“O aconselhamento genético é o primeiro passo para o tratamento. O geneticista precisa da família para pesquisar e avaliar o problema e identificar o histórico da doença. A interação do clínico com o laboratório é muito importante”, comentou Márcia.

O painel molecular possibilita a pesquisa de algumas mutações. Considerado o “hemograma da genética”, o cariótipo é um exame que pode determinar as alterações cromossômicas. 

Jorge Rezende Filho, professor titular da Faculdade de Medicina da UFRJ, abordou o Diagnóstico Pré-Natal das Doenças Raras. Os testes durante esta fase são de rastreamento e existem alguns fatores de risco como a idade materna e paterna avançada, pais portadores de um distúrbio genético, portadores de rearranjos cromossômicos e anormalidades estruturais identificadas pela ultrassonografia. Além da idade materna, o teste do 1º trimestre combinado avalia a TN e dois marcadores bioquímicos: proteína plasmática associada à gravidez (PAPP-A) e beta hCG livre.

O “Diagnóstico Pós-Natal” foi a palestra ministrada pela pediatra e geneticista do Departamento de Pediatria (Unifesp), Cecília Micheletti. A médica mencionou a portaria 199, de 30 de janeiro de 2014, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituiu incentivos financeiros de custeio. 

Cecília falou sobre a importância do laboratório clínico no processo de triagem neonatal e enfatizou a necessidade de rapidez no fluxo de resultados e convocações.

“Os resultados anormais devem ser comunicados o mais rápido possível para que os testes e diagnósticos sejam realizados. O tempo para início do tratamento é de suma importância para a prevenção da morbimortalidade e sequelas”, complementou Cecília.

Especialistas abordam diferenças entre substâncias derivadas do ópio e suas particularidades laboratoriais

Em mais uma mesa redonda na tarde de quarta-feira (25), o 53º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (CBPC/ML) recebeu Alvaro Pulchinelli, toxicologista e patologista clínico, presidente regional da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), de São Paulo (capital), e Denize Duarte Pereira, farmacêutica especialista em uso racional de medicamentos. Inicialmente, o especialista em Anestesiologia e Dor pela Associação Médica Brasileira (AMB). 

 Pulchinelli iniciou sua apresentação explorando os aspectos toxicológicos dos opioides, alertando para uma epidemia no uso dessas substâncias. Ele citou que, em 2017, aproximadamente 47.000 norte-americanos – morreram após uma overdose de opioides, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o órgão de controle de drogas dos EUA. Já no Brasil, ele registrou que a venda de opioides teve um salto de 465% entre 2009 e 2015, conforme pesquisa da Fiocruz. Para o toxicologista, os médicos brasileiros “perderam o medo desse tipo de medicamento”.

 Ele destacou que a heroína, uma das drogas derivadas do ópio, no entanto, “não combina com a personalidade do brasileiro, devido ao efeito de isolamento que a droga causa”.

Alvaro Pulchinelli, também aproveitou para explicar a classificação desses opioides, como análogos da morfina – os opiáceos naturais, como morfina e codeína – e os derivados sintéticos e semissintéticos, como a heroína e o medicamento Fentanil. O especialista debruçou sobre os mecanismos de ação dessas substâncias, a toxicocinética, ações farmacológicas e explicou questões como tolerância, dependência e as principais moléculas. Seu uso terapêutico e a evolução das prescrições continuaram a abordagem do especialista, que também sintetizou os fatores associados ao uso indevido, a intoxicação, diagnóstico e tratamento.

Já Denize Pereira, explorou os aspectos laboratoriais, explicando as diferenças entre opioides e opiáceos. Segundo ela, os opioides consistem em produtos totalmente sintéticos com estrutura química diferente, porém com atuação similar à dos opiáceos. Depois de passear por uma variedade de opioides, como propoxifeno e metadona, ela mencionou que a multinacional americana Johnson & Johnson foi condenada a pagar R$ 572 milhões por difundir opioides nos EUA.

Pereira chamou a atenção para os riscos das Novas Substâncias Psicoativas (NSP), também conhecidas como legal highs, que simulam efeitos de drogas ilegais, mas que “não utilizam ingredientes ou princípios psicoativos proibidos por lei”, com o objetivo de evadir os mecanismos de controle.

Já na análise laboratorial, a especialista debateu as matrizes biológicas e a importância da escolha da amostra, detalhando as diversas opções disponíveis, como urina, saliva, sangue e cabelo, incluindo as vantagens e desvantagens de cada. 

 Ainda sobre os aspectos laboratoriais, Pereira comentou métodos analíticos, incluindo o Imunoensaio e a Cromatografia, que se divide em gasosa (GC-MS) e líquida (LC-MS). Em seguida, pormenorizou testes de triagem, especificamente o Screening, cuja metodologia utilizada é a imunocromatografia. Mesmo com todas as vantagens apresentadas, a farmacêutica alertou para o problema do “falso positivo”, entre outras desvantagens e “armadilhas”, como ela classificou.

Atividade conduzida pela cientista Lívia Eberlin foi destaque do segundo dia de atividades 

Uma das atividades mais esperadas pelos congressistas do 53º CBPC/ML era a conferência magna que foi conduzida por Lívia Eberlin, a cientista brasileira que desenvolveu a caneta que detecta tecido canceroso durante cirurgias, através da espectrometria de massas. 

A professora da Universidade do Texas em Austin, explicou que o projeto começou há quatro anos, com o objetivo de proporcionar uma análise de tecido em tempo real para os cirurgiões. Atualmente a avaliação é feita através de uma amostra ex vivo, ou seja, já retirada do paciente, que é levada para um laboratório anexo à sala de cirurgia, onde um patologista analisa o material, enquanto o cirurgião aguarda o resultado com o paciente na mesa. O processo pode levar de 30 minutos a uma hora para ser finalizado. Segundo a especialista, a margem de erro desta análise é de 30% para câncer de pâncreas, por exemplo. 

Com a MasPec Pen, nome do dispositivo desenvolvido por Lívia Eberlin, é possível identificar células de tecido canceroso em apenas 10 segundos.

“O aparelho pode ser utilizado pelo próprio cirurgião e permite identificar rapidamente as margens negativas garantindo a remoção total de tumores sólidos”, afirmou Lívia.

A caneta é produzida através de impressão 3D, com materiais biocompatíveis, é esterilizável e descartável. Ela é conectada através de um tubo ao espectômetro de massa, onde a análise é feita. O aparelho conta com um pedal, que é responsável por ativar o processo, que ao ser finalizado emite um sinal sonoro. Um monitor exibe o resultado da composição celular do tecido avaliado de forma bastante didática e clara. 

A heterogeneidade dos tecidos, mesmo em amostras consideradas “normais”, foi um ponto levantado e considerado crucial para o projeto. Por isso, uma espécie de tinta foi utilizada para “estampar” os mais variados tipos de tecido, considerando até mesmo aqueles que sofreram efeitos como da quimioterapia pré-cirúrgica, com inflamação ou necrose. 

Também foi esclarecido que o sangue decorrente da cirurgia não atrapalha o processo de atividade da MasPec Pen, desde que não seja abundante. E sobre a solução salina, é recomendado que seja substituída apenas por água, para que não haja interferência. 

Segundo Lívia Eberlin, atualmente o dispositivo está em fase de testes e já foi utilizado em mais de 100 cirurgias de remoção de diversos tipos de tumores, principalmente de mama. Todos os procedimentos foram bem-sucedidos, sem complicações, nem registro de eventos adversos para os pacientes.

“Agora seguimos nesse trabalho de validação, buscando parcerias para podermos realizar o maior número de testes possível. Pretendo buscar apoio e parceria de hospitais do Brasil, para viabilizar o projeto e espero que logo a tecnologia esteja apta para uso e disponível para aplicação e atendimento aos pacientes”, afirmou a professora. 

 

A necessidade de regulamentação e aplicação adequada foram discutidas em mesa-redonda no primeiro dia de atividades do 53º CBPC/ML

Uma das atividades que abriu o 53º CBPC/ML foi a mesa redonda “Avaliação crítica dos Testes Laboratoriais Remotos – POCT”. As aplicações desse tipo de exame foram abordadas pela ex-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, Paula Távora. 

Segundo a especialista, nos Estados Unidos, os testes laboratoriais remotos já representam 23,2% do mercado de medicina diagnóstica. Enquanto no Brasil, ainda ocupam apenas 0,5%.

“A disponibilidade deste tipo de testes no nosso país ainda é pequena. Mas é incontestável a tendência mundial”, afirmou Paula.

Uma das aplicações mais efetivas dos POCT, foi constatada após as ocorrências do rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, quando os foram fundamentais para auxiliar na identificação dos surtos de dengue na região metropolitana de Belo Horizonte. 

Távora reforça que não se trata de um mercado varejista. Além disso, a regulação, a segurança e a qualidade são fundamentais para atingir o objetivo final, de oferecer uma atenção primária adequada.

“Os testes laboratoriais remotos representam o empoderamento do paciente e a democratização do conhecimento”, comentou Távora.

Fábio Lima Sodre, presidente regional da SBPC/ML na Bahia, abordou o ponto de vista de custos dos POCT. Sua apresentação explorou a diferença entre os conceitos contábeis de custo, despesa, investimento e gasto. 

Em suas considerações, Sodré constatou que, em sua maioria, os POCT terão um custo mais alto do que os exames realizados em laboratórios centrais. “É necessário ter uma visão mais ampla. Comparar apenas custos de materiais é equivocado”, afirmou Fábio.

O especialista apresentou alguns dados da literatura internacional que confirmam os benefícios financeiros dos POCT, quando aplicados corretamente. Segundo ele, a glicemia de uso doméstico e de uso hospitalar, reduzem as chances de episódios de hiper ou hipoglicemia, diminuindo o número de mortes e hospitalizações. “Mesmo quando o paciente acaba hospitalizado, o custo da internação e do tratamento acaba sendo 80% menor”, explicou o especialista.

Na Inglaterra, a economia observada na internação com uso de glicemia hospitalar chegou a 800 pounds (moeda inglesa) por paciente. 

A conclusão de Sodré alertou para o fato de que a introdução dos testes laboratoriais remotos sem critérios, tende a aumentar o desperdício no sistema de assistência à saúde. 

Adriana Caschera Leme, coordenadora técnica do Hospital Albert Einstein, contribuiu na atividade trazendo o panorama sobre a conectividade dos POCT. Segundo ela, um sistema de gestão adequado deve atender pré-requisitos como o cumprimento de legislação, indicadores de qualidade, controle de fluxo, consumo e atividades, rastreabilidade de processos, dentre outros.